I. Introdução
A despesa pública tem origem em uma determinada demanda, que pode ser interna (são as despesas de custeio, destinadas ao funcionamento da máquina pública) e externa (são os investimentos). Identificada a necessidade e a forma como ela será atendida, a Administração Pública deverá identificar os meios e ferramentas jurídicas para realizar o processo de contratação, a prover os bens e serviços que respondam aos anseios da coletividade, afinal de contas, a função precípua da Administração é prover e garantir o bem-estar social.
Para tanto, a Administração Pública deverá realizar levantamento de preços e de fornecedores locais (se a contratação é nacional) ou agentes econômicos internacionais (se a contratação é de âmbito internacional). Esse levantamento é peça chave no processo preparatório, na medida em que identificará a existência de pluralidade ou singularidade de agentes disponíveis a fornecer ao governo, assim como o levantamento permitirá o conhecimento do orçamento prévio e estimado para atender à futura contratação.
Diante do cenário, se constatada a insuficiência de recursos disponíveis para a futura contratação, a autoridade pública determinará a redução da quantidade, da qualidade ou mesmo decidirá pelo arquivamento do processo.
Com o preço estimado – como parte do planejamento – é possível identificar se no orçamento público há disponibilidade de recursos para o exercício em curso, ou, se se tratar de programas de longa duração, se haverá condições de onerar o orçamento de forma plurianual.
Decidido o prosseguimento, caberá à unidade técnica do Governo a especificação do produto, serviço ou projeto para uma determinada obra. A contratação pública deverá subsumir-se a princípios de Direito Público, tais como isonomia, legalidade, interesse público, economicidade e eficiência (EC nº 19/98[1]).
Nada obstante, a escolha da solução dependerá do poder discricionário do gestor público que, dentre as opções viáveis e que atendem ao interesse público, adotará a que melhor atinja os objetivos. Trata-se de trabalhar no sentido de melhorar a alocação de recursos públicos do orçamento. O orçamento não dispõe de fonte infinita de recursos, logo, as demandas sempre serão maiores que a disponibilidade orçamentária, razão pela qual fazer a escolha do programa ou da ação que será executada é um desafio ainda maior. Juscelino Kubitschek cunhou a expressão “governar é eleger prioridades”. A escassez dos recursos impõe escolhas; no governo, estas escolhas são ainda mais impactantes. Deixar de investir na aquisição de veículos oficiais para aportar recursos em obras de saneamento básico ou para aquisição de medicamentos é, sem dúvida, eleger prioridades. No entanto, quando a escolha é adquirir o medicamento “a”, sabendo que a falta do medicamento “b” provocará o colapso ao atendimento de pacientes com determinada doença degenerativa, é escolha que faz aumentar demais o custo de oportunidade da segunda opção.
Os princípios da eficiência e economicidade poderiam trazer novos elementos para que a mesma quantidade de recursos possa atender a aquisição dos medicamentos “a” e “b”. Se houvesse maior eficiência nas contratações, os recursos que faltariam para a compra do medicamento “b” podem ser economizados se as contratações anteriores puderem atingir um nível maior de eficiência.
II. A Eficácia e a Eficiência
“A eficiência é um conceito que trata da relação entre insumos e produtos utilizados na elaboração de um bem ou serviço”[2].
Na maioria expressiva das contratações públicas, sobretudo aquisições de bens, contratações de serviços e obras, o critério de escolha é o “menor preço”. Além do menor preço, a celeridade do processo também é elemento levado em consideração para apurar-se o resultado da contratação, especialmente para avaliar o custo de oportunidade.
Em que pese o esforço do gestor público em detalhar o objeto que se pretende adquirir (seja bem, serviço ou obra), a necessidade de apurar-se o “menor preço” como espécie de mantra, pode produzir resultados ineficientes. Em verdade, o “menor preço” não opera isoladamente. O pleiteante ao contrato com o governo deverá também apresentar comprovação de qualificação técnica, capacidade econômica, regularidade fiscal dentre outras exigências. Para Marçal Justen Filho[3] a economicidade é o resultado da comparação entre encargos assumidos pelo Estado e os direitos a ele atribuídos, logo, desembolso mínimo e aproveitamento máximo e melhor. O mesmo autor acrescenta que em determinadas situações, em que o interesse público reclama maior vantagem técnica, a Administração Pública deve deixar a preocupação financeira em segundo plano[4].
O Tribunal de Contas da União não se furtou a avaliar o tema. O ministro Aroldo Cedraz indicou no seu voto que aquela Corte deveria centrar esforços na avaliação qualitativa de resultados e não interpretar a expressão “mais vantajosa” de maneira reducionista, como meramente de “menor preço”.[5]
Nem sempre “menor preço” e “melhor preço” caminham juntos.
Não basta, por óbvio, adquirir o “melhor produto”, se na fase da entrega ou da execução, a fiscalização do contrato não realiza uma correta análise do fornecimento permitindo que produtos e serviços sejam entregues em qualidade (e quantidade) inferior àquela contratada.
É possível, portanto, que uma licitação seja ágil e proporcione a aquisição de equipamentos pelo menor preço. Por isso, esta contratação foi eficaz? Depende.
Se os equipamentos comprados tiverem vida útil de apenas um ano, a aquisição teria sido eficaz (menor preço, processo célere), mas ineficiente, uma vez que uma nova contratação, com os custos inerentes a um novo processo, deverá ser realizada no próximo ano para suprir o produto de baixa qualidade. Nesse caso, o custo de oportunidade será alto, pois um novo processo de contratação exigirá esforço técnico, despesas com gestores, despesas operacionais etc. Se, na primeira contratação, houvesse planejamento e critério na descrição das especificações, privilegiando a aquisição de um equipamento de longa duração – 5 anos ou mais – o custo de oportunidade seria baixo, uma vez que novas licitações seriam evitadas e a continuidade do serviço público não seria interrompido.
Produtos de melhor qualidade possuem especificações mais detalhadas e valores compatíveis com as melhores especificações. Bens com maior durabilidade evitam compras repetidas, a resultar em economia ao erário; produtos com melhor qualidade diminuem interrupções de funcionamento, evitam suporte técnico constante, a resultar maior eficiência produtiva do serviço público. A noção de eficiência depende da existência de alternativas. Se, de fato, existe pluralidade de soluções, o cotejo das alternativas possíveis torna-se essencial.
Por sua vez, a eficácia não pressupõe a existência de alternativas. Se o gestor público recebe uma ordem judicial para a compra de um medicamento “x” para o paciente em estado de emergência, ele deverá fazê-lo, independentemente das opções de fornecedores e dos preços de mercado. Nesta situação o gestor não tem outra alternativa, senão a de adquirir o medicamento o mais rápido possível.
III. Comparativo entre o “mínimo necessário” para atingir os resultados, tanto na qualidade quanto no preço. Noção de economicidade
Como dito, o critério de “menor preço” deve ser avaliado com proporcionalidade e razoabilidade, para que as necessidades imprescindíveis à coletividade não sejam esquecidas ou negligenciadas, apenas em troca da busca obstinada pelo menor valor da proposta.
O mínimo necessário significa dizer que, dentre as características que podem atender ao interesse público, o gestor deverá optar por aquelas que se ajustam minimamente à resposta que o Estado precisa dar ao cidadão. Na mão oposta, qualquer característica “excessiva, irrelevante ou desnecessária”, extrapola o mínimo útil (mínimo necessário).
Com esta “barra” para medir o limite do que “pode” ou “não pode”, o preço também não deverá ser excessivo, pois atenderá na medida da necessidade. Repita-se: exigir o “mínimo necessário” é especificar o objeto com todas as características – tecnicamente justificáveis – que, de fato, atenderão à necessidade da coletividade, sem inserir detalhes excessivos ou desnecessários (que só aumentam o valor da proposta, sem contrapartida útil).
Tal qual um círculo virtuoso, com especificações (mínimas) necessárias[6], amplia-se o universo de concorrentes e o caráter competitivo[7]. Maior disputa traduz-se em menores preços. Resultado: eficiência econômica.
IV. Eficiência Técnica (Produtiva) e Alocativa
Segundo o IPEA[8], a Eficiência Técnica é medida conforme o resultado da diferença entre o total produzido (com certa quantidade de insumos) e o montante possível de ser produzido. Portanto, para analisar a eficiência é preciso comparar; é necessário possuir um ponto de referência.
No caso das contratações públicas, a eficiência produtiva (ou técnica) somente será aferível se na fase inicial do processo licitatório, a Administração Pública tiver estabelecido os objetivos claros que devem ser atingidos com a compra de determinado objeto. Por exemplo, um equipamento de mamografia é adquirido para realizar um número “x” de exames na região norte da cidade. No entanto, o equipamento adquirido, por razões de fornecedor, não apresenta o mesmo resultado planejado. Neste caso, ante as alternativas possíveis e a referência adotada, a análise pode concluir a ineficiência técnica.
A Eficiência Alocativa estabelece uma relação de oportunidade e valor. A sociedade recebe um determinado bem na quantidade e na qualidade que as pessoas darão valor a ele. A eficiência produtiva não garante a eficiência alocativa. Se uma estatal federal realiza um serviço de excelência, com níveis de produtividade altíssimos, mas a sociedade não os utiliza, haverá eficiência produtiva, e total ineficiência alocativa.
Em outra situação, verifica-se um serviço deficitário (custos altos do serviço se comparados a outra região), mas absolutamente necessários para atendimento à população de zonas afastadas dos grandes centros. É o caso do Correio, que atende a todo o território nacional. Em determinadas regiões (cidades muito distantes), o serviço tem custo altíssimo e totalmente deficitário, mas a comunicação e a ligação dessas populações com o resto do Brasil fazem parte do programa de integração nacional, além de representar importante ferramenta social. Nesse caso haverá eficiência alocativa, embora a produtividade seja deficiente.
Em 2010 o Ministério da Educação lançou um programa de identificação em que cada aluno receberia um “cartão magnético” para controle de presença na escola. O acesso aos dados em tempo real permitiria a identificação rápida de faltas recorrentes e atuação preventiva. No entanto, na época o Brasil contava com mais de 21 mil escolas sem energia elétrica; uma parte delas sem água; outra boa parte sem qualquer infraestrutura para a instalação de uma unidade de ensino. Certamente, para estas escolas sem energia elétrica o “cartão magnético” não teria qualquer finalidade prática, sendo patente a ineficiência alocativa. Por outro lado, boa parte das escolas públicas, dotadas de energia elétrica e infraestrutura, poderiam observar eficiência técnica e alocativa.
Nas contratações públicas a eficiência alocativa é ferramenta essencial de planejamento. A avaliação do custo x benefício continua sendo elemento de análise para qualquer tipo de avaliação econômica, sobretudo para eficiência e economicidade das contratações públicas.
Outro exemplo de ineficiência alocativa foi a construção da Arena da Amazônia. O estádio, construído (entre 2010 e 2014) para a Copa do Mundo de 2014, teve custo (oficial) de R$ 623.857.919,03 e tem capacidade para 44.000 espectadores. Apenas quatro jogos da Copa foram realizados no estádio; mais seis jogos de futebol foram realizados por ocasião dos Jogos Olímpicos de 2016. Os times do Campeonato Amazonense (10 ao todo; nenhum deles está nos campeonatos de elite) não utilizam o estádio pelo alto custo de locação. Em 2015 foram realizadas apenas doze partidas. O custo mensal é de R$ 1 milhão e a falta de manutenção provoca a rápida deterioração das instalações. No ano inteiro de 2018 o valor total arrecadado foi de R$ 583 mil, insuficiente a pagar um mês de manutenção. Esse equipamento público é um grande exemplo da falta de planejamento e, consequentemente, ineficiência alocativa. Nesse caso não é preciso estabelecer um comparativo entre estádios para chegar à conclusão que este equipamento é altamente deficitário, sobretudo porque não devolve à sociedade a contrapartida equivalente de recursos em bem-estar.
V. Conclusão
A noção de economicidade nas contratações públicas está diretamente relacionada a análise dos conceitos de eficácia, eficiência técnica e eficiência alocativa. O custo de oportunidade também exsurge nas obras paralisadas, nos programas inacabados, nas aquisições ineficientes; são recursos desperdiçados em ações governamentais ineficazes que poderiam ser utilizados em áreas de maior criticidade à população.
A falta de planejamento, as decisões imotivadas ou as erroneamente motivadas, levam ao malbaratamento de recursos. Contratações equivocadas conduzem a operações com alto custo de transação, provocando atrasos na prestação dos serviços públicos, ineficiência e decisões antieconômicas.
Na mão inversa, é possível adotar medidas de aumento de eficiência, tais como: aumento da tecnologia (processos administrativos digitais; controle automatizado etc); registros e estatística de produções públicas (para acompanhar a evolução; medir áreas de concentração); medições de produtividade; treinamento/qualificação (sem qualificação, a tendência é a queda de produtividade, especialmente nos serviços predominantemente intelectuais; a heterogeneidade e a grande quantidade de unidades governamentais nas três esferas, dificulta qualquer tentativa de padronização das ações do governo); adoção das modalidades de contratação que prestigiam a transparência e competitividade (pregão eletrônico); aumento da transparência das informações relacionadas ao orçamento e ao gasto público (divulgação nos sites oficiais); dentre outras medidas.
Aliado à noção de controle e competência, algumas perguntas deveriam ser respondidas por toda autoridade ordenadora de despesa:
- Qual a necessidade desta contratação? De fato, a necessidade persistirá por curto, médio ou longo prazo?
- O detalhamento do objeto é suficiente a atender à necessidade?
- As características do objeto são excessivas, irrelevantes ou desnecessárias?
- Há alternativa, menos custosa que possa levar a resultados equivalentes?
- Há alternativa mais eficiente?
- Há alternativa mais econômica?
- A decisão pela contratação daquele objeto é oportuna e conveniente?
- Há justificativa técnica, assinada pela autoridade responsável, para adotar aquela escolha?
- Quem serão as pessoas ou quais serão as coisas beneficiadas?
São exemplos de questões, algumas indigestas, que exigiriam o enfrentamento do problema da falta de eficiência econômica nas contratações governamentais.
- Bibliografia
FILHO, Marçal Justen, Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 11ª edição
HARRISON, J. (2016). Cap. 2, item C, “Efficiency”. Tradução para o português por Thomas V. Conti.
IPEA, Governo Federal, Avaliação de Políticas Públicas, Vol.2.
_____.Tribunal de Contas da União. Acórdãos.
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[1] Emenda Constitucional nº 19/1998: modificou o caput do art. 37:
“Art. 37 – A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (…)”. (g.n.)
[2] IPEA, Governo Federal, Avaliação de Políticas Públicas, Vol.2, fl. 299.
[3] FILHO, Marçal Justen, Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 11ª edição, na cita na página 45, item 7 – “Seleção da Proposta mais Vantajosa “
[4] FILHO, Marçal Justen, Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 11ª edição, na cita na página 45: “De nada serviria ao Estado pagar valor irrisório para receber objeto imprestável. Muitas vezes a vantagem técnica apresenta relevância tamanha que o Estado tem de deixar a preocupação financeira em segundo plano”.
[5] Voto do Ministro Aroldo Cedraz, no Acórdão 1977/13 – Plenário:
“Assim sendo, além dos aspectos formais inerentes ao controle procedimental, entendo que este Tribunal deva centrar esforços na avaliação qualitativa de resultados, sob a lógica da oferta de serviços adequados aos cidadãos. É chegada a hora de não mais se ler o artigo 3º da Lei 8.666/1993 e, especificamente, a expressão “mais vantajosa para a Administração” de maneira reducionista, interpretando-a como sendo meramente aquisições de menor preço”.
[6] FILHO, Marçal Justen (ob.cit.p.402):
“A escolha administrativa está delimitada não apenas pela Lei como também pela própria Constituição. Existe um mandamento constitucional, no já referido art.37, inc. XXI, da CF/88. A Constituição não admite exigências que superem ao mínimo necessário para assegurar a obtenção pela Administração de uma prestação de qualidade adequada.” (g.n.)
[7] “As exigências editalícias devem limitar-se ao mínimo necessário para o cumprimento do objeto licitado, de modo a evitar a restrição ao caráter competitivo do certame.” (TCU – Acórdão n. 110/2007-P; Rel. Min. Marcos Bemquerer; sessão 09/12/2014) (g.n.)
[8] IPEA, ob.cit. fl. 303.
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Publicado em 30 de setembro de 2019.
(Colaborou Dr. Ariosto Mila Peixoto, advogado especializado em licitações e contratos administrativos, no escritório AMP Advogados).
*Alguns esclarecimentos foram prestados durante a vigência de determinada legislação e podem tornar-se defasados, em virtude de nova legislação que venha a modificar a anterior, utilizada como fundamento da consulta