Não há dúvida que a situação de absoluta imprevisibilidade decorrente da COVID-19 causou um efeito de grandes proporções nos contratos em geral, e sobretudo nos contratos administrativos.
Se por um lado, a Administração pública enfrenta a redução da demanda e, ainda, o corte de recursos orçamentários em razão do redirecionamento prioritário de verbas para a área da saúde; por outro, os Contratados planejaram seus negócios e, especialmente, elaboraram seus preços com base em uma realidade de “demanda regular” que remunera o custo fixo (mão de obra, manutenção, mobilização de pessoas, mobilização de estrutura operacional) e o custo variável (fornecimento de insumos e serviços não previstos no custo fixo), conforme a demanda por bens ou serviços, originalmente contratada.
Este planejamento é resumido na equação econômico-financeira da proposta – relação existente entre o custo e a justa remuneração – que torna equilibrada a situação econômica do contrato.
No entanto, em face da grave situação de isolamento e, por consequência, imposição de uma conjuntura imprevisível, a Administração Pública vem comunicando muitos contratados a respeito da suspensão, rescisão ou redução do objeto do contrato. É bem verdade que a Administração Pública utiliza em seu favor o regime jurídico dos contratos administrativos, que admite diversas imposições unilaterais, em relação às quais o contratado é obrigado a aceitar.
Ocorre que, mesmo nesta circunstância – de imprevisibilidade – as disposições contratuais previstas na legislação, mormente aquelas poucas regras em que são favoráveis ao contratado, precisam ser respeitadas, sob pena de vulnerar não só o Estado de Direito como, também, o equilíbrio dos contratos administrativos, a ensejar grave repercussão econômica às empresas contratadas.
Não é fácil colocar em execução um contrato administrativo, por isso é mais eficiente preservá-lo.
Além do prévio processo de licitação, que gera despesas de ambos os lados, a fase contratual também demandará esforço físico, mental e financeiro. Nesse sentido, não é tão simples para a Administração rescindir um contrato de serviços essenciais ao poder público e apostar que a retomada dos serviços – quando acabar o isolamento – será instantânea.
Muito pelo contrário, a recontratação demandará um novo processo de licitação com todos os entraves, despesas e riscos inerentes à disputa. E não é só: é possível que alguns players do mercado desapareçam em função da crise e, um novo um cenário, com menos competidores e menor disputa, provoque o aumento de preços. É melhor nem comentar o aumento expressivo do valor daqueles contratos cujo objeto sofre efeito direto da variação cambial. Para estes casos, os novos contratos terão valores muito superiores aos atuais, razão pela qual, é mais vantajoso para a Administração manter os contratos em vigor do que rescindi-los.
Por isso, a renegociação dos contratos, com razoabilidade e sensatez, frise-se: de ambos os lados, poderá diminuir o impacto a uma economia que já se encontra vulnerável.
Alguns órgãos, baseados em decreto, resolução ou qualquer outra norma infralegal, estão comunicando a redução do contrato de forma unilateral, em bases superiores ao permissivo legal.
Lembramos que as alterações do objeto, sobretudo em relação à quantidade, guardam limites previstos na Lei 8.666/93, no art. 65, § 1º e § 2º. Há obviamente exceções a esta regra, como aquela prevista no art. 4º-I, da Lei 13.979/2020, em que as alterações unilaterais quantitativas podem chegar a 50%, mas se trata de uma situação excepcional de contratos oriundos do enfrentamento da situação emergencial causada pelo Coronavírus.
Em se tratando de contratações usuais, a regra de alteração dos contratos permanece lastreada no art. 65 da Lei 8.666/93
O art. 65, § 1º, da Lei 8.666/93 é claro ao estabelecer que reduções do objeto contratual acima de 25% só poderiam ocorrer de forma bilateral. Isso quer dizer que, nas reduções até 25%, a empresa é obrigada a aceitar; porém, naquelas em que a redução está acima de 25%, somente com a concordância da contratada.
Por isso, vejo com preocupação estes ofícios da Administração, a notificar a alteração unilateral, impondo redução de 50%, ou mais, do objeto.
Ante esta situação, há, pelo menos, três cenários possíveis:
a) a empresa pode se recusar a esta redução, uma vez que não há previsão legal e, como consequência, a Administração pode adotar as seguintes medidas:
a.1) aceitar o argumento e reduzir o valor do contrato até o limite legal de 25%; ou
a.2) rescindir o contrato com fundamento no art. 78, inciso XII (por interesse público) ou XVII (por força maior ou caso fortuito), ambos da Lei 8.666/93, uma vez que a necessidade de redução é inevitável.
b) a empresa pode tentar negociar uma redução menor, pois 50% pode comprometer o equilíbrio contratual a ocasionar a onerosidade excessiva (frente ao custo fixo da estrutura operacional que continuará mobilizada) e, consequentemente, abalar a exequibilidade do contrato, impondo obstáculo intransponível à continuidade do ajuste firmado com a Administração.
c) frustradas as negociações, se a empresa entender que a manutenção do contrato – ainda que reduzido em 50% – é melhor do que sua interrupção, a alternativa é aceitar a proposta da Administração, desde que seja firmado um termo de aditamento, com cláusula que estabeleça a redução proporcional dos serviços (uma vez que só a redução do preço e manutenção dos serviços seria caracterizado como desconto) bem como seja estabelecido o período em que a diminuição do objeto estará vigente.
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Publicado em 05 de maio de 2020.
(Colaborou Dr. Ariosto Mila Peixoto, advogado especializado em licitações e contratos administrativos, no escritório AMP Advogados).
*Alguns esclarecimentos foram prestados durante a vigência de determinada legislação e podem tornar-se defasados, em virtude de nova legislação que venha a modificar a anterior, utilizada como fundamento da consulta