Participação de empresas em Recuperação Judicial em licitações

O Tribunal de Contas da União, em decisão recente, publicou o Acórdão nº 1201/2020 – Plenário, por meio do qual o Tribunal ratifica sua posição de permitir a participação de empresas em recuperação judicial nas licitações públicas.

Versa a ementa do acórdão: “Admite-se a participação, em licitações, de empresas em recuperação judicial, desde que amparadas em certidão emitida pela instância judicial competente afirmando que a interessada está apta econômica e financeiramente a participar de procedimento licitatório“.

Este posicionamento do TCU foi importante para auxiliar as empresas em recuperação, sobretudo aquelas cuja receita advém majoritariamente dos contratos com o governo.

Dessume-se que a empresa em recuperação judicial deverá requerer ao juízo no qual tramita o processo de recuperação, uma certidão que ateste a capacidade econômica e financeira da empresa para participação na licitação e, consequentemente, assegure a execução do futuro contrato.

A certidão poderá ser específica para aquela determinada licitação (hipótese que nos parece mais viável); ou, ainda, a declaração poderá ser ampla, a evitar a constante solicitação da recuperanda ao juízo. Esta última hipótese é mais complexa, uma vez que o juiz declarante deverá avaliar o risco para a Administração Pública, no fato de a recuperanda participar de várias licitações.

A autorização judicial deverá avaliar se a recuperanda, mesmo com sua capacidade financeira comprometida, terá condições de assumir o contrato com o governo, caso se sagre vencedora da licitação.

De fato, a participação da empresa recuperanda em licitações atende ao princípio da preservação da empresa e, consequentemente, do interesse social envolvido na capacidade de gerar empregos. Sobre este ponto o STJ manifestou-se:
“(…) 5. O escopo primordial da Lei n. 11.101/2005, nos termos do art. 47, é viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica. 6. A interpretação sistemática dos dispositivos das Leis n.8.666/1993 e n. 11.101/2005 leva à conclusão de que é possível uma ponderação equilibrada dos princípios nelas contidos, pois a preservação da empresa, de sua função social e do estímulo à atividade econômica atendem também, em última análise, ao interesse da coletividade, uma vez que se busca a manutenção da fonte produtora, dos postos de trabalho e dos interesses dos credores. 7. A exigência de apresentação de certidão negativa de recuperação judicial deve ser relativizada a fim de possibilitar à empresa em recuperação judicial participar do certame, desde que demonstre, na fase de habilitação, a sua viabilidade econômica”. (AREsp 309.867/ES, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 26/06/2018, DJe 08/08/2018)

No entanto, ainda há um ponto que remanesce obscuro.

Certamente, antes de ajuizar a recuperação, a empresa já apresentava dificuldades em liquidar suas dívidas, inclusive e sobretudo, de impostos. Sem o pagamento dos impostos, a empresa, em tese, não teria condições de requerer a recuperação judicial (cf. art. 57 da Lei 11.101/05), no entanto, o STJ (especialmente antes da edição da Lei federal nº 13.043 de 2014) vinha decidindo favoravelmente à concessão da recuperação, dispensando a prova da regularidade fiscal, uma vez que a exigência de situação regular perante o fisco praticamente inviabilizaria o instituto da recuperação. Como é cediço, a primeira coisa que o empresário em dificuldade deixa de pagar, são os impostos.

Portanto, embora a recuperanda possa ter a certidão judicial que certifique sua aptidão econômico-financeira para aquele futuro contrato, ainda haverá o obstáculo da situação fiscal irregular a ser superado.

Teríamos, pois, a estranha situação em que o juízo da recuperação declara a aptidão econômico-financeira da empresa, mas, contraditoriamente, a ausência de situação fiscal regular a impedirá de participar da licitação.

Sendo assim, não basta que a jurisprudência seja unânime em permitir a participação de empresas em recuperação judicial nas licitações públicas.

Para que a recuperanda supere sua crise econômico-financeira é essencial que ela tenha condições de fazer negócios com o Governo.

É preciso que estas empresas em recuperação tenham não só a certidão de aptidão econômica e financeira, mas, também, autorização para participar do certame sem apresentação da comprovação de situação fiscal regular, estabelecendo com o Fisco uma condição especial de pagamento dos tributos devidos, após os recebimentos do Governo.

Talvez essa seja uma forma de permitir que as empresas recuperandas, de fato, se recuperem.

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Publicado em 05 de junho de 2020 no Portal de Licitação

(Colaborou Dr. Ariosto Mila Peixoto, advogado especializado em licitações e contratos administrativos, no escritório AMP Advogados).

*Alguns esclarecimentos foram prestados durante a vigência de determinada legislação e podem tornar-se defasados, em virtude de nova legislação que venha a modificar a anterior, utilizada como fundamento da consulta

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