A LEI DE LICITAÇÕES DEVE SER MENOS RIGOROSA?
 
José Blanes
 

A palavra rigor quando se aplica ao mundo das licitações e contratos pode se tornar o cúmulo da ambiguidade. Um exemplo próximo é o debate proposto no Jornal do Advogado da OAB-SP neste mês de julho: A lei de licitações deve ser menos rigorosa? De um lado, um advogado e professor universitário, argumenta pelo sim e, de outro, uma procuradora do Ministério Público do Estado argumenta pelo não. Nas respectivas explicações fica patente que não se referem ao mesmo conceito de rigor. Ele se refere ao formalismo quando fala de rigor e ela se refere à moralidade e zelo pelo interesse público quando se refere à mesma palavra.

Mas, afinal, a que nos referimos quando utilizamos a palavra rigor orientada ao universo das licitações e contratos? Existem, de fato, leis mais rigorosas do que outras? Ou o rigor se manifesta tão somente na forma em que se aplica determinada lei?

Vejamos como o referido verbete, de tão ambíguo pode chegar a ser perigoso.

Em primeiro lugar, podemos considerar rigor como dureza ou falta de flexibilidade. É o que ilustra bem a expressão latina –aliás, a origem etimológica é latina- ‘rigor mortis’, referindo-se à condição de rigidez em que se encontra o cadáver.

Também podemos considerar rigor como austeridade, como severidade, como aspereza.

Caberia um rigor matemático na consideração dos seus axiomas e demonstrações, entendendo ele assim como uma demonstração de precisão ou correção.

De forma semelhante, usamos a palavra para definir o rigor científico quando somos fiéis ao método empregado para os trabalhos da ciência.

Se aplicarmos a palavra rigor ao mundo jurídico de uma forma geral, poderemos encontrar os mais diversos sentidos. Desde o conceito inicial de dureza com a clássica expressão "lex, dura lex, sed lex", passando pela idéia de severidade quando nos referimos à sua aplicação, até o sentido de precisão quando nos referimos à sua interpretação.

Mas a lei, considerada por si mesma, referindo-nos à sua natureza, pode ser ou deixar de ser rigorosa? Mais concretamente, a lei de licitações e contratos em vigor é rigorosa?

É claro que é rigorosa, e não pode deixar de sê-lo, uma vez que qualquer lei, se considerada do ponto de vista moral, na sua finalidade de orientação ao bem comum e na sua obrigatoriedade, deve ser rigorosa.

Mas pode também ser considerada rigorosa do ponto vista formal, quanto aos procedimentos nela previstos a serem adotados para o seu cumprimento. Neste caso, podemos imaginar outras leis com uma flexibilidade maior quanto ao conteudo dos procedimentos determinados para o seu cumprimento.

Tudo isto para dizer que a pergunta apresentada pelo jornal para o debate foi mal formulada em virtude da ambigüidade excessiva que traz consigo a palavra rigor. Podendo, inclusive, ser instrumentalizada para não produzir nenhum efeito.

Em nossa opinião a pergunta deveria ser feita de forma a enfatizar os procedimentos que ela contêm. Em tese, ninguém quer deixar de aplicar a lei em todo o seu rigor. Na verdade, o que se busca é reformar os procedimentos da lei para que estes respondam de maneira mais adequada às exigências da administração pública. A pergunta que caberia, com muito menos ambigüidades é se ‘a lei de licitações deve ser menos formalista’. Desta maneira, o debate se centrará de modo muito mais objetivo sobre a reforma ou não dos procedimentos nela contidos.

Há, efetivamente, excesso de formalismo na lei em vigor? Repare o leitor que os termos do debate podem mudar completamente por causa de uma "inocente" palavra. Alguns setores da administração não poderão mais esconder a sua vergonhosa falta de planejamento se a resposta generalizada for num sentido contrário. Também não poderão se camuflar os interesses dos participantes com a pressa para evitar impugnações ou com a falta de transparência nas necessárias publicações. Aliás, a formalidade, historicamente, sempre foi obstáculo ao conluio deslavado e à corrupção.

Mesmo, assim, sem dar azo aos argumentos demagógicos, é preciso considerar seriamente se a gestão pública está sendo beneficiada com todas as formalidades previstas na lei em vigor ou se algumas delas merecem ser revistas. Mas isto, sem confundir rigor com formalismo.

Concretamente, a título exemplificativo, não é mais possível a estas alturas, que a lei geral de licitações e contratos continue convivendo com a nova modalidade de pregão regulamentado por lei extemporânea. Na maioria das repartições públicas a nova modalidade ocupa um espaço crescente e necessita urgentemente um tratamento orgânico e compatível com as restantes modalidades.

Ainda mais urgente, e também a título exemplificativo, precisando, com certeza de maiores comentários pela doutrina, é a participação de estrangeiros nos certames brasileiros, bem como a regulamentação completa sobre licitações internacionais. Trata-se de duas realidades diferentes que freqüentemente se confundem, porque o nosso diploma legal é falho e confuso a respeito. A temática é extremamente relevante, haja vista a recente Lei Federal 12.349 de 15 de dezembro de 2010 que permite ao Governo Brasileiro adquirir produtos ou serviços nacionais por preço até 25% superior ao estrangeiro (ainda dependente de regulamentação), entre outras diretrizes.

É preciso encarar a realidade sem ambigüidades, para isso é necessário amadurecer a discussão com realismo e ética, assumindo o rigor da lei.

 
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