POR QUE O BRASIL NÃO QUER ASSINAR O ACORDO DE COMPRAS GOVERNAMENTAIS PROPOSTO PELA OMC?
 
José Blanes Sala
 

O passado dia 15 de dezembro fomos surpreendidos pela recusa do governo brasileiro em assinar o Acordo de Compras Governamentais proposto pela Organização Mundial do Comércio (OMC(1)) no inicio da 8ª Conferência Ministerial promovida pela referida entidade.

O Acordo de Compras Governamentais (GPA(2) , na sigla em inglês) consiste num tratado internacional onde os países signatários se comprometem a franquear para empresas estrangeiras o acesso aos mercados nacionais de compras públicas num clima de total transparência e, inclusive, de combate à corrupção.


O GPA, que já tinha sido proposto no âmbito do GATT(3) desde os anos 70(4) , foi sendo ampliado e revisado até chegar à sua versão atual –preparada há dez anos- proposta para assinatura de todos os membros da organização. Segundo informações da ICTSD(5) , com 42 países signatários, o acordo liberalizará 150 bilhões de dólares em contratos públicos. Os ganhos de acesso a mercado deverão partir das entidades recentemente adicionadas ao texto do GPA – como agências governamentais e ministérios-, bem como da incorporação de novos serviços e bens. Ressaltam-se também, no corpo do tratado, as regras de transparência novas e mais simples, as quais devem ajudar a combater problemas como protecionismo e corrupção.

Entre os países signatários, além dos Estados Unidos e Japão, estão os 27 países da União Européia e a Rússia, que foi a grande novidade no evento. A China, que possui um gigantesco setor de compras governamentais, deve ser uma adesão para breve, havendo demonstrado já o seu interesse.

Diante deste panorama, o Brasil, por intermédio do seu Ministro das Relações Exteriores, manifestou claramente o seu desinteresse. O motivo deste escrito é tentar entender o porquê da decisão.

Segundo o chanceler Antonio Patriota, o Brasil está mais do que comprometido no combate à corrupção, estando inclusive agendada para março próximo uma visita ao país da Secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, a fim de participar de uma reunião ministerial para fortalecer o projeto de combate à corrupção no setor público, projeto este liderado a nível internacional pelos presidentes Barak Obama e Dilma Roussef. De forma que, com certeza, não é este o motivo do desinteresse.

A justificativa apontada pelo chanceler, na verdade, está escorada na preocupação do governo em abrir o mercado de compras governamentais primeiro aos países latino-americanos, especialmente, como lembrou ele na reunião ministerial, aos países que fazem parte do Mercosul.

Desde quando o Brasil está preocupado em oferecer oportunidades de compras governamentais às empresas dos países latino-americanos? O Brasil sabe muito bem que nenhum destes países tem competitividade neste setor. Na verdade, o governo brasileiro está preocupado apenas e tão somente em garantir este apetitoso setor do mercado às suas próprias empresas nacionais. Ainda mais em tempos de grandes eventos esportivos, como a Copa do Mundo e as Olimpíadas, que terão lugar em nosso território.

A prova é a mudança do parágrafo 5º do artigo 3º da nossa Lei de Licitações e Contratos promovida pela Lei Federal 12.349/2010 onde se estabelece de forma inequívoca a preferência para produtos manufaturados e para serviços nacionais que atendam a normas técnicas brasileiras. É natural que o governo não queira, neste momento, assinar um tratado internacional que resulta frontalmente contrário à atitude protecionista da legislação interna. Seria, no mínimo, imprudente assumir uma obrigação internacional que esbarra em norma nacional contrária ao seu espírito, desta forma chamando a atenção para ela, podendo incorrer facilmente em denúncia por parte de outros países perante a OMC.

Pior para o nosso Brasil que ainda tem medo de enfrentar a concorrência internacional em alguns setores. O GPA traria ganhos comerciais, pois o Brasil poderia participar em condições de igualdade e segurança jurídica das licitações promovidas pelos governos dos países membros, num ambiente de confiança neste sistema de compras. Isto sem contar que nas licitações internas poderia incrementar a eficiência e a economia do dinheiro público ao admitir a participação externa em condições de igualdade. Na verdade, a reserva de mercado neste setor atende a que tipo de interesses? Num contexto de globalização, os interesses nacionais se encontram diluídos o suficiente para desconfiar que sejam outros tipos de interesses os que norteiam estas decisões...

 

1 - Organização Mundial do Comércio
2 - Government Procurement Agreement.
3 - General Agreement on Tariffs and Trade
4 - Em âmbito mundial, o primeiro esforço para incluir a temática compras governamentais nas normas de comércio de desgravação tarifária ocorreu nas negociações da Rodada Tóquio, resultando no primeiro acordo plurilateral deste tipo, assinado em 1979, e que entrou em vigor em 1981 (Vide o nº 1 da série 'Estudios y Perspectivas' da CEPAL).
5 - International Center for Trade and Sustainable Development.

 

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