Os procedimentos licitatórios conhecidos por sua burocracia e morosidade
(lembramos que o Brasil foi eleito recentemente como o 2º país mais burocrático
do mundo), começam a se tornar ainda mais emperrados, contrariando qualquer
tendência de celeridade e simplificação tão desejados pelos cidadãos, fornecedores
e prestadores de serviços ao Governo.
Alguns órgãos da Administração Pública começaram a exigir, além da extensa e
exaustiva relação de documentos fixados pela Lei de Licitações - Lei 8.666/93 -
mais um documento: a "certidão da justiça eleitoral". Este documento visa certificar
que a empresa participante da licitação não contribui ou contribuiu com campanhas
eleitorais, com valores acima de 2% do seu faturamento bruto anual, pois, caso
contrário, poderá ser impedida de participar de licitações por 5 anos, conforme
estabelecido no art. 81, § 3º da Lei 9.504/97:
Reza o citado dispositivo legal que:
Art. 81. As doações e contribuições de pessoas jurídicas para campanhas eleitorais
poderão ser feitas a partir do registro dos comitês financeiros dos partidos ou
coligações.
§ 1º As doações e contribuições de que trata este artigo ficam limitadas a dois por
cento do faturamento bruto do ano anterior à eleição.
(...)
§ 3º Sem prejuízo do disposto no parágrafo anterior, a pessoa jurídica que
ultrapassar o limite fixado no § 1º estará sujeita à proibição de participar de
licitações públicas e de celebrar contratos com o Poder Público pelo período de
cinco anos, por determinação da Justiça Eleitoral, em processo no qual seja
assegurada ampla defesa. (grifei)
Por hipótese, admitindo-se que fosse possível aplicar o art. 81 (Lei 9.504/97) ao
processo licitatório, seria necessário, então, juntar aos documentos exigíveis na
fase de habilitação a "certidão da justiça eleitoral", com a finalidade de demonstrar
que não haveria proibição que estivesse impedindo a empresa (que contribuiu a
partidos políticos ou a campanhas eleitorais) de participar do certame licitatório.
Em contrapartida, consigne-se também que, se admitida a hipótese de se exigir a
"certidão da justiça eleitoral", tal obrigatoriedade:
1) extrapola os limites da lei específica porque cria novo documento e estabelece
regra não prevista na Lei de Licitações;
2) impõe regra restritiva à licitação, à medida que impõe à empresa que contribui
em campanhas, hipotéticas vedações à participação em licitações;
3) burocratiza ainda mais o já emperrado processo licitatório.
Ressalte-se ainda que por conta do "princípio da especialização", quando houver
divergência entre normas de mesma hierarquia - e há, porque se admitida a
interpretação que vem sendo dada à Lei 9.504/97 criaria regra restritiva à licitação
e, portanto, contrariaria a Lei 8.666/93 - adotar-se-á a legislação específica, no
caso, a Lei 8.666/93, restando absoluta a supremacia da Lei de Licitações sobre a
Lei 9.504. Destarte, não se aplicaria o art. 81 como exigência de participação nas
licitações.
Outro ponto a ser frisado é o fato de que existem apenas dois motivos para que as
empresas contribuam com grandes somas em campanhas eleitorais:
a) por puro idealismo; ou
b) por pretenderem algum benefício em troca da contribuição "eleitoral".
Se, supostamente, ficarem impedidas de participar de licitações, por força do citado
artigo 81, deixarão de contribuir oficialmente e, sem dúvida, contribuirão de forma
não oficial. Dessa forma, a contribuição às campanhas eleitorais não deixará de
existir, mas simplesmente dará lugar às contribuições não oficiais como mais uma
forma de burla à legislação.
Seria mesmo muita inocência acreditar que a empresa que contribui com mais de
2% de seu faturamento bruto anual, não tenha nenhum interesse ou não pretenda
recuperar seu investimento em contratos com o Poder Público ou beneficiando-se
de alguma forma em virtude da "força política" advinda da eleição.
Pois bem, a regra nova surgida em alguns órgãos da Administração Pública em face
da interpretação do art. 81, da Lei 9.504/97 - de exigir a "certidão da justiça
eleitoral" para participar de licitações - não deveria prosperar, pelo simples fato de
que não cabe às Comissões de Licitações ou aos Pregoeiros (na nova modalidade
licitatória denominada Pregão) a tarefa de fiscalizar mais este tipo de atividade. Se
houver proibição imposta à empresa que contribuiu com mais de 2% do seu
faturamento bruto anual, esta vedação deve vir da Justiça Eleitoral, impedindo esta
empresa de contratar com o Poder público ou ingressar em certames licitatórios,
sob pena de aplicação das sanções legais.
Quero crer que às Comissões de Licitações deveria caber tão somente a busca à
proposta mais vantajosa ao Poder Público e, ainda, de averiguar o cumprimento às
exigências constitucionais, quais sejam, do pagamento da seguridade social e as
exigências técnicas e econômicas do licitante indispensáveis à garantia do
cumprimento das obrigações contratuais. Quanto mais documentos forem exigidos
no certame, às vezes dispensáveis e desnecessários à obtenção da proposta mais
vantajosa, maior será a dificuldade às empresas de participar de licitações e, só
quem perde com isso, é o interesse público. |