ADESÃO AO SISTEMA DE REGISTRO DE PREÇOS (CARONA)
 
Ariosto Mila Peixoto.
 

Consulta | Intepretação do Acórdão TCU nº 1233/2012 – Plenário

1) Inicialmente, o Acórdão TCU nº 1233/12 foi proferido por ocasião da auditoria cujo objeto foi avaliar a conformidade da gestão e o uso da tecnologia da informação, em relação à legislação e às boas práticas de governança em TI (Tecnologia da Informação). Muito embora tenha sido esta a finalidade da auditoria, a análise da figura do órgão aderente ou também chamado de "carona" foi aprofundada a ponto de traçar uma diretriz para todas as demais contratações da Administração Pública.

2) Há um fato importante à análise: o TCU, por ocasião do Acórdão nº 1487/07, já alertava sobre a adesão irrestrita, ou seja, o número elevado de "caronas" em uma mesma Ata de Registro de Preços, fato que chamava a atenção para: a) economia de escala na relação "preço x quantidade"; e b) quebra ao princípio da isonomia entre os participantes. O presente Acórdão (nº 1487/07) encontra-se em fase de recurso.

3) O Acórdão nº 1233, que ora se discute, cita dois casos emblemáticos:

a) O primeiro reflete o planejamento desejado quando se tratar de SRP (Sistema de Registro de Preços):
"Como exemplo de planejamento conjunto para a geração de ata de registro de preço que atende ao espírito da legislação e, por meio do planejamento, dá cumprimento ao princípio constitucional da eficiência, pode-se citar a ação coordenada pela SLTI/MP para aquisição de mais de 100.000 equipamentos (anexo 3, fl. 37)".

b) Em sentido oposto, o segundo caso demonstra a consequência das Atas de RP mal planejadas ou destinadas à utilização indevida:
"Em outro extremo, encontramos uma série de atas de registro de preços, possivelmente criadas sem participantes (ver itens 0 e 0), que se tornam objeto de exploração comercial por parte de empresas privadas (anexo 3, fls. 35-36)".

4) No relatório de auditoria do Acórdão em questão foram detectados alguns outros problemas:

a) não declarar a fundamentação legal que sustenta o motivo da criação da ata;
b) não realizar o planejamento da contratação, tanto na criação da ata quanto na adesão;
c) não fixar os quantitativos máximos que serão adquiridos por meio da ata;
d) não demonstrar a vantajosidade em aderir à ata;
e) aderir à ata de registro de preços oriunda de licitação com critérios e condições aplicáveis ao ente que registrou a ata, porém distintos das necessidades da instituição que realiza a adesão.

5) Em que pese o apontamento de falhas, o TCU não deixou de evidenciar a finalidade nobre do SRP:
"11. Antes de adentrar no exame da questão propriamente dita, cumpre registrar que o SRP, se utilizado de acordo com as normas legais vigentes, apresenta um potencial fantástico de racionalizar as aquisições de bens e serviços pela Administração Pública, podendo trazer significativa economia aos cofres públicos".

6) Todavia, o relatório de auditoria volta a criticar a adesão ilimitada e propõe que o aderente limite-se ao saldo remanescente da Ata:
"23. Nota-se, claramente, que a adesão ilimitada à Ata de Registro de Preços representa um desvirtuamento do SRP, que tem como pressuposto principal o planejamento das aquisições pela Administração Pública, na medida em que propicia a contratação de muito mais itens do que a quantidade efetivamente licitada.
24. Por esses motivos, entendo que a possibilidade de adesão à Ata de Registro de Preços deve limitar-se à quantidade remanescente no registro".

7) Concluiu a auditoria:

"31. Verifica-se, portanto, que os elementos colhidos na presente auditoria comprovam os problemas que decorrem da adesão ilimitada à Ata de Registro de Preços, causados, basicamente, pela marcante ausência de planejamento dos órgãos e entidades da Administração Pública.
32. Registre-se, mais uma vez, que o instituto do SRP apresenta um grande potencial de proporcionar racionalização administrativa e economia para os cofres públicos.
33. Não obstante, a prática disseminada em todos os entes da federação da adesão ilimitada às Atas de Registro de Preços desvirtua o SRP de sua finalidade principal, fundada no planejamento dos órgãos e entidades da Administração Pública, além de afrontar a Constituição Federal e a Lei nº 8.666/93, trazendo, em seu bojo, uma ampla liberalidade que favorece a prática da fraude, do conluio e da corrupção".

Nesse contexto, o Acórdão determinou:

Acordão TCU nº 1233/2012 - Plenário:
"ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão Plenária, ante as razões expostas pelo Relator, em: (...)
9.1. recomendar, com fundamento no art. 43, inciso I, da Lei 8.443/1992, c/c o art. 250, inciso III do Regimento Interno do TCU, à Câmara de Políticas de Gestão, Desempenho e Competitividade (CGDC) do Conselho de Governo que:
(...)
9.3. determinar, com fundamento na Lei 8.443/1992, art. 43, inciso I, c/c RITCU, art. 250, inciso II, à Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação (SLTI/MP) que:
(...)
9.7.3. em atenção ao disposto no Decreto 7.063/2010, art. 6º, inciso XII, oriente as entidades sob sua jurisdição para que (subitem III.1):

9.7.3.1. ao realizarem licitação com finalidade de criar ata de registro de preços atentem que:


9.7.3.1.1. devem fundamentar formalmente a criação de ata de registro de preços, e.g., por um dos incisos do art. 2º do Decreto 3.931/2001 (Acórdão 2.401/2006-TCU-Plenário);
9.7.3.1.2. devem praticar todos os atos descritos no Decreto 3.931/2001, art. 3º, § 2º, em especial o previsto no seu inciso I, que consiste em "convidar mediante correspondência eletrônica ou outro meio eficaz, os órgãos e entidades para participarem do registro de preços";
9.7.3.1.3. o planejamento da contratação é obrigatório, sendo obrigatória a realização dos devidos estudos técnicos preliminares (Lei 8.666/1993, art. 6º, inciso IX);
9.7.3.1.4. a fixação, no termo de convocação, de quantitativos (máximos) a serem contratados por meio dos contratos derivados da ata de registro de preços, previstos no Decreto 3.931/2001, art. 9º, inciso II, é obrigação e não faculdade do gestor (Acórdão 991/2009-TCU-Plenário, Acórdão 1.100/2007-TCU-Plenário e Acórdão 4.411/2010-TCU-2ª Câmara);
9.7.3.1.5. em atenção ao princípio da vinculação ao instrumento convocatório (Lei 8.666/1993, art. 3º, caput), devem gerenciar a ata de forma que a soma dos quantitativos contratados em todos os contratos derivados da ata não supere o quantitativo máximo previsto no edital;

9.7.3.2. quando realizarem adesão à ata de registro de preços atentem que:
9.7.3.2.1. o planejamento da contratação é obrigatório, sendo obrigatória a realização dos devidos estudos técnicos preliminares (Lei 8.666/1993, art. 6º, inciso IX);
9.7.3.2.2. devem demonstrar formalmente a vantajosidade da adesão, nos termos do Decreto 3.931/2001, art. 8º;
9.7.3.2.3. as regras e condições estabelecidas no certame que originou a ata de registro de preços devem ser conformes as necessidades e condições determinadas na etapa de planejamento da contratação (Lei 8.666/1993, art. 6º, inciso IX, alínea d, c/c o art. 3º, § 1º, inciso I, e Lei 10.520/2002, art. 3º, inciso II);(...)."

Na leitura atenta do excerto do Acórdão, verifica-se que houve duas questões distintas:
1) A realização de licitação para "CRIAR A ATA DE REGISTRO DE PREÇOS", sendo responsável o órgão gerenciador; e
2) A realização de "ADESÃO À ATA DE REGISTRO E PREÇOS", sendo responsável o órgão aderente ou "carona".

Como se vê, são duas abordagens feitas em subitens distintos do Acórdão (9.7.3.1 e 9.7.3.2), mesmo porque tratam-se de figuras diferentes de órgãos responsáveis: órgão gerenciador e órgão aderente.

A (polêmica) decisão divide a discussão entre "contratações" e "adesões".

A "contratação" decorre da Ata e deve ser tratada de forma individual. Cada órgão (gerenciador e aderente) será responsável pelo empenho de sua despesa e se comprometerá a adquirir até o limite do objeto contratual (que pode equivaler a 100% do quantitativo da Ata).

A "adesão" é a manifestação de vontade de um órgão não participante (ou seja, que não esteve envolvido no processo de planejamento da licitação) para que possa utilizar a Ata de RP, sem necessidade de fazer um novo processo licitatório. Uma vez realizada a adesão, o órgão aderente também deverá firmar a contratação.

Tratando-se das contratações decorrentes da Ata, por óbvio, não é permitido extrapolar o limite dos quantitativos descritos na Ata. Assim sendo, o órgão gerenciador poderá desfrutar de sua ata e contratar 100% dos quantitativos nela previstos.

Em outro viés, o órgão aderente também firma contratos decorrentes da Ata e, assim, não deve ultrapassar o limite de 100%, portanto, cada "carona" poderá utilizar (contratar) 100% dos quantitativos previstos, na forma estabelecida no artigo 8º, § 3º, do Decreto 3.931/01:
"(...) § 3o As aquisições ou contratações adicionais a que se refere este artigo não poderão exceder, por órgão ou entidade, a cem por cento dos quantitativos registrados na Ata de Registro de Preços".

Portanto, aquele (órgão) que utilizar-se da Ata (gerenciador ou aderente) e firmar as contratações decorrentes, não poderá extrapolar o limite de 100%.

Conclusão

Preliminarmente, ressalto que minha opinião é contrária à figura do carona: a um porque se trata de uma forma simplória de contratação não prevista na Lei Federal; a dois porque a adesão tardia pelo órgão "não participante" vem sendo utilizado de forma imprópria, pode ser um instrumento de manobra política e, pior, é um campo fértil a corrupção; a três porque a adesão ilimitada produz alteração significativa no objeto licitado com repercussões prejudiciais óbvias no universo de licitantes, na economia de escala (representada pela relação "quantidade x preço") e, por fim, nos princípios da isonomia, legalidade e economicidade.

Contudo, cumpre-me analisar o teor do Acórdão proferido pelo Tribunal de Contas da União que cuidou de enfrentar o polêmico tema.

Sendo assim, entendo, o Acórdão nº 1233/12 não proibiu a figura do carona a teor do que dispõe o item 11 do Relatório bem como a recomendação consignada no item 9.3.1.1 do Acórdão TCU nº 1717/2012 – Plenário. Também, não determinou explicitamente que as adesões estejam limitadas ao saldo remanescente do quantitativo (não utilizado) pelo órgão gerenciador. Nesse sentido, o subitem 9.7.3.2 do Acórdão, ao manifestar-se sobre a "adesão" não fez qualquer menção à interferência do órgão aderente no quantitativo disponível ao órgão gerenciador da Ata. Concluo também que não houve, pelo menos por ora, limitação ao preceito contido no § 3º do artigo 8º do Decreto nº 3.931/01.

O que está em questão, entendo, é a crítica sobre a adesão ilimitada bem como a suspeita que recai sobre Atas "artificiais" ou mal planejadas, destinadas unicamente à "venda" das adesões. Estas sim são Atas na alça de mira do Tribunal.

Por outro lado, se a Ata for bem planejada com a devida justificativa técnica para a aquisição, previsão de adesões, fixação dos quantitativos máximos para cada órgão; assim como as adesões estiverem revestidas dos pressupostos legais de verificação da vantajosidade, necessidade técnica equivalente àquela do órgão gerenciador, não modificação do objeto descrito na ata; é possível concluir que, nesses casos específicos, o Acórdão do TCU não proibiu a adesão.

Destarte, tendo em vista que a decisão não foi objetiva em "proibir" a figura do carona assim como ainda paira a dúvida sobre a interferência do órgão aderente no quantitativo disponível ao órgão gerenciador, a interpretação cautelosa e conservadora faz com que órgãos gerenciadores de ARP (na Administração Pública Federal) evitem adesões às suas Atas. Quanto aos Estados e Municípios, a questão dependerá da legislação específica do Estado ou do Município além do posicionamento dos Tribunais de Contas locais.

É o meu parecer, em 04 de setembro de 2012.
Ariosto Mila Peixoto

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