ISENÇÃO DO ICMS NAS LICITAÇÕES.
ANÁLISE ESPECÍFICA DO DECRETO (ESTADUAL) DE SÃO PAULO, Nº 48.034/03.
 
Ariosto Mila Peixoto
 

Não é nova a discussão da isenção do ICMS nas licitações. Deixemos de lado a polêmica sobre a legalidade ou não da isenção estabelecida por decreto do Poder Executivo (há quem entenda que tal isenção exigiria autorização fixada em decreto do Poder Legislativo); e deixemos de lado também o debate sobre a "guerra fiscal" (cada estado procura proteger seus interesses econômicos e, para tanto, propõem isenções de impostos nas operações internas); bem como a polêmica sobre a quebra ao princípio da isonomia (na medida em que empresas sediadas em SP teriam tratamento desigual e privilegiado em relação às empresas estabelecidas em outros estados). Todos estes temas demandariam horas e horas de debates, com correntes favoráveis e contrárias, portanto, cumpre-nos apenas avaliar a aplicação da isenção sem adentrar no exame de sua legalidade.

Cuida-se, pois, de analisar exclusivamente os efeitos do Decreto Paulista nº 48.034/03 sobre o procedimento licitatório.

Examinemos o dispositivo do decreto:

"Art. 55 – Ficam isentas do imposto as operações e as prestações de serviços internas, relativas a aquisição de bens, mercadorias ou serviços por órgãos da Administração Pública Estadual Direta e suas Fundações e Autarquias (Convênios ICMS-48/93, ICMS-107/95 e ICMS-26/03)."

Inicialmente, cumpre esclarecer que as "operações e as prestações de serviços internas" referidas na norma, são aquelas realizadas pela Administração Pública Estadual quando da aquisição de bens ou contratação de serviços por empresas com o estabelecimento comercial localizado no Estado de São Paulo (operação interna). Sendo assim, a princípio, os fornecedores de bens e serviços tributados pelo ICMS, estariam isentos deste tributo quando os ofertassem ao Governo do Estado de São Paulo.

Importante avaliar que a isenção modifica o valor proposto e, por conseguinte, altera a igualdade na participação, a privilegiar (intencionalmente) licitantes sediados em SP em detrimento daqueles localizados em outros entes da federação.

Ante o exposto, surge a questão fundamental: a isenção pretendida pelo Decreto deve ocorrer na elaboração da proposta (durante o procedimento licitatório) ou na emissão da nota fiscal, portanto, durante a execução do contrato?

A questão é de crucial importância, pois produz efeitos bastante distintos.

1) Quando a isenção incidir na proposta

Considerando que o licitante que fornecerá a mercadoria ou prestará o serviço (tributados pelo ICMS) possui seu estabelecimento (matriz ou filial que efetivamente executará o contrato e emitirá a nota fiscal) localizado no Estado de São Paulo; e considerando a disposição do edital de adotar a regra do Decreto nº 48.034/03; não haveria outra conclusão senão a de que a proposta corresponderia à seguinte equação:

custo + despesas operacionais + lucro + tributos (ICMS de, p. ex., 18%) = preço da proposta (por exemplo, R$ 100,00).

Se o Decreto isentou o ICMS, não haveria que se falar em tributos incidentes no preço proposto, portanto, no preço final da proposta não existiria incidência do ICMS:

custo + despesas operacionais + lucro = preço da proposta (por exemplo, R$ 82,00).

A opção de isentar o ICMS já na proposta teria também outra justificativa: o preço final é determinante para o resultado da licitação; é aquele levado em consideração para a grade classificatória. Vamos considerar o seguinte exemplo:

Empresa A (com sede em SP, portanto, beneficiária da isenção): proposta original de R$ 100,00, todavia, com a isenção do ICMS, passa a ser de R$ 82,00. 1ª COLOCADA

Empresa B (com sede em MG): proposta de R$ 90,00 (com o ICMS). 2ª COLOCADA

No caso em exame, se o ICMS incidisse na proposta da empresa A, a grade classificatória seria alterada:

Empresa B (com sede em MG): proposta de R$ 90,00 (com o ICMS) – 1ª COLOCADA

Empresa A (com sede em SP): proposta de R$ 100,00 (com o ICMS) – 2ª COLOCADA

Nesta segunda hipótese a Administração deverá adquirir o produto da Empresa B (com sede em MG), vencedora da licitação, ao preço de R$ 90,00. Mas se o ICMS não incidisse na proposta, o resultado seria outro: a empresa A (com sede em SP) seria contratada ao preço de R$ 82,00, portanto, inferior ao preço do produto adquirido (R$ 90,00).

Sendo assim, ainda que discutível a aplicação do Decreto 48.034, entendo que o momento correto de aplicar a isenção do ICMS no preço, é no momento da apresentação da proposta e lance.

2) Quando a isenção incidir na fase contratual, ou seja, do efetivo fornecimento e faturamento.

Há defensores, e não são poucos, para a tese da isenção do ICMS apenas no faturamento, ou seja, durante a licitação a empresa sediada em SP ofertaria seu preço com o ICMS e, se vencedora, aplicaria o desconto apenas na nota fiscal. Veja o exemplo:

Empresa A (com sede em SP): proposta de R$ 100,00 (com o ICMS) – 1ª COLOCADA

Empresa C (com sede na BA): proposta de R$ 101,00 (com o ICMS) – 2ª COLOCADA

Durante a fase contratual e, desde que fornecida corretamente a mercadoria, a nota fiscal será emitida no valor de R$ 100,00 com o desconto do ICMS (18%). A empresa receberá o valor de R$ 82,00.

Mas esta hipótese reclama uma atenção especial, conforme segue.

3) Quando houver confusão na aplicação da isenção com o risco do bis in idem.

O problema se agrava quando houver confusão no momento da aplicação da isenção. Imaginemos que o edital não foi claro sobre a regra da isenção (nesse sentido, frise-se a importância do edital fixar com clareza e lucidez como o licitante deverá elaborar sua proposta ou emissão da nota fiscal, sob a luz da isenção preconizada no Decreto Paulista).

Exemplifico: não sendo claro o edital, a empresa licitante entendeu (como muitos) que a isenção do ICMS deveria ocorrer na elaboração da proposta (ou lance). Retirou o ICMS do preço e foi vencedora do certame. Executado regularmente o contrato, foi emitida a fatura. No momento em que a empresa pleiteou o pagamento e para sua surpresa, a Administração informou que descontaria o ICMS da nota fiscal. Ou seja, além do desconto do ICMS na proposta, a empresa seria obrigada a fazer novo desconto na emissão da nota fiscal. Neste caso, haveria dupla incidência do ICMS (bis in idem) no preço contratado (a primeira vez na proposta e a segunda, no contrato).

Na prática, ocorreram diversos casos como esse, a resultar em litígios administrativos e judiciais, com resultados quase sempre desfavoráveis à empresa contratada.

Sendo assim, para não ocorrer a hipótese da dupla incidência de ICMS no valor proposto, torna-se IMPRESCINDÍVEL que:

1) O edital seja claro e didático na aplicação da regra e, especialmente, no momento em que incidirá a isenção: se na proposta ou no contrato.

2) Se o edital não estabelecer com clareza a citada regra, o licitante, no livre exercício do direito, deverá requerer informações ou pedir esclarecimentos sobre a isenção. Ressalta-se que a Administração é obrigada a prestar esta informação em prazo razoável, sujeita até à republicação do edital, sob pena de nulidade do certame.

Como "sugestão", a pergunta poderia ser assim formulada:

"A empresa _______ entende que, em face da isenção do ICMS nas operações internas preconizada pelo Decreto nº 48.034/03, a proposta ou lance que serão apresentados no Pregão em apreço deverão ofertar o valor sem a inclusão do ICMS. Nosso entendimento está correto?"

CONCLUSÃO

Nada obstante à polêmica sobre a constitucionalidade da isenção (quebra ao princípio da isonomia) e seu impacto econômico nas contas do Estado que fomentam a guerra fiscal, temas estes que não foram objeto da presente avaliação, cuidou-se apenas de examinar a aplicação da isenção do ICMS proposta pelo Decreto de São Paulo, nº 48.034/03, regra esta que continua sendo estabelecida em editais de licitação.

Haveria, em tese, dois momentos de aplicação da isenção: na proposta ou na fase contratual; hipóteses excludentes, nunca cumulativas. Sendo assim, o momento da aplicação da isenção do ICMS é determinante para o resultado da licitação. O Edital da licitação deve ser claro, a orientar o licitante na elaboração da proposta, sob pena de dar ensejo a intermináveis litígios administrativos e judiciais.

São Paulo, 24 de Julho de 2013

 
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